Não existe receita de sucesso na bovinocultura de corte

 

Por Adriano Gomes Pascoa*

Vivemos um período de pós-verdades onde os “fatos alternativos”, infelizmente, muitas vezes regem nossas escolhas. Na pecuária isso não é diferente e acredito que estes fatos já existissem há muito mais tempo do que a tempestade que acompanhamos nos dias de hoje na política.

Há muitos anos, existem “receitas” milagrosas para a salvação dos mais diversos problemas que nos acompanham na nossa lida diária e nos induzem a tomadas de decisão imprecisas e, por muitas vezes, errôneas.

Um grande exemplo disso são os dimensionamentos recomendados para a suplementação mineral. “Quatro centímetros é mais que suficiente” dizem alguns “especialistas”. “Ah, mas tem que contar os dois lados”, acrescenta outros desses “estudiosos”. A grande verdade, e lá vou eu também dar minha contribuição, é a de que não existe receita.

O que bem sabemos é de que a suplementação mineral, além de essencial para a sanidade dos bovinos, tem grande importância nos resultados produtivos como ganho de peso e taxas de prenhez.

Em um experimento que fizemos na Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), em Colina, interior de São Paulo, avaliamos três medidas distintas (4, 8 e 12 cm/animal) de cocho para novilhas Nelore, sem chifres, com 300 kg em média, recebendo um suplemento de 0,1% (notem o grau de detalhamento que estou usando). O experimento contou apenas com um dos lados (afinal o cocho deveria ser bem largo ou com uma barreira visual para ser capaz de permitir que os bovinos se alimentem frente a frente).

Durante o teste, os resultados foram que o número de relações agonísticas entre os animais caiu pela metade quando aumentamos a disponibilidade de cochos de 4 para 8 cm/animal, mas que essa relação se manteve quando aumentamos novamente de 8 para 12 cm/animal. Se analisássemos apenas esta informação, a recomendação seria a de que a distância de 8 cm/animal seria suficiente para uma boa suplementação.

Contudo, por outro lado, quando analisamos o tempo total para a ingestão, os animais gastaram 5 horas para consumir totalmente o suplemento na menor disponibilidade, 3 horas na disponibilidade média e apenas 1 hora na maior disponibilidade pesquisada. Usando esse resultado 12 cm seria, portanto, a melhor recomendação, pois permite que os animais ingiram o suplemento o mais rápido possível retornando assim à sua rotina de pastejo e diminuindo a necessidade de gastos com cochos cobertos. Temos assim um veredicto? Ainda não…

Porém, mesmo na máxima disponibilidade, ou seja, 12 cm/animal, entre 30 e 40% dos animais não acessam o cocho em momento nenhum das avaliações (que foram de 72 horas ininterruptas com o uso de câmeras e em 5 repetições). Isto é, poderíamos eternamente aumentar o número de cochos (e aumentando os custos de implementação) e ainda assim não teríamos um resultado positivo. Os animais muito submissos, mesmo com muita disponibilidade, ainda podem se sentir “oprimidos” pelos dominantes, simplesmente por estarem dividindo a mesma área.

A grande verdade é a de que algumas pesquisas e muitos dos palpites de “especialistas” servem para nos guiar, mas nada substitui nossas próprias observações. Cochos separados por alguns metros (não muitos, lembrando que os bovinos são animais gregários, gostam de permanecer próximos, apesar das disputas por hierarquia), podem ajudar a diminuir a lacuna entre os animais que têm muito acesso aos comedouros e ingerem a maior quantidade de suplemento e os que, por medo, não acessam e se distanciam do ganho médio ideal.

Temos que lembrar ainda que até este resultado difere de raça para raça. Por exemplo, um gado da raça Guzerá e com chifres teriam recomendações bem distintas de fêmeas, mochas e de cruzamento industrial, tanto no que se refere a comportamento quanto à estrutura corporal.

Portanto, como na política, as conclusões que são baseadas em suas próprias experiências e observações são melhores que receitas prontas de técnicos gratuitos que não têm responsabilidade com seus resultados. Lembrem-se sempre: O barato muitas vezes pode estourar o seu orçamento!

*Dr. Adriano Gomes Pascoa é zootecnista formado pela Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” – Unesp – Campus de Jaboticabal/SP

Bem-estar animal é um dos seis capítulos do Manual de Práticas para Pecuária Sustentável, desenvolvido pelo Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável, e disponível no website da instituição.

O Grupo, que completa 10 anos de atuação em 2017, está promovendo o desenvolvimento de uma série de artigos para mostrar o atual cenário da pecuária brasileira, o que mudou na atividade nos últimos dez anos e qual a influência do GTPS nestas mudanças. Acompanhe!

Sobre o GTPS

O Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS) é a primeira mesa redonda mundial sobre práticas sustentáveis na cadeia da carne bovina e referência para países como Argentina, Uruguai, México e Austrália. É formado por representantes de diferentes segmentos que integram a cadeia de valor da pecuária bovina no Brasil, entre eles indústrias, organizações do setor, produtores e associações, varejistas, fornecedores de insumos, bancos, organizações da sociedade civil, centros de pesquisa e universidades. O objetivo do GT é debater e formular, de maneira transparente, princípios, práticas e padrões comuns a serem adotados pelo setor, que contribuam para o desenvolvimento sustentável da atividade pecuária, trazendo mecanismos para que ela seja socialmente justa, ambientalmente correta e economicamente viável.

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